Em Prol de Cesare battisti

Em Prol de Cesare battisti

quinta-feira, 1 de julho de 2010

A VERDADE SOBRE A CAMPANHA CONTRA AS REPARAÇÕES A PERSEGUIDOS POLÍTICOS

                                                                                               Celso Lungaretti


Por três dias seguidos, o vetusto jornalão O Estado de S. Paulo faz lobby descarado contra o programa de reparações às vítimas da ditadura de 1964/85, pressionando o Tribunal de Contas da União a acatar uma proposta de redução de benefícios identificada com as posições das viúvas da ditadura, dos sites goebbelianos e das correntes virtuais de extrema-direita.


É a velha tabelinha entre uma determinada autoridade e a imprensa afinada com sua ideologia, tentando empurrar os acontecimentos na direção que agrada a ambos.

Não se trata nem da repetição da História como farsa, embora o Estadão já tenha feito idêntica tentativa de detonar a anistia federal em 2004, daquela vez acompanhado em alto estilo pela imprensa burguesa.

Só que já era uma cruzada farsesca, pois distorcia totalmente os fatos para encaixarem-se na imagem demagógica que se queria passar ao público. Então, o que temos agora é, isto sim, a repetição da farsa como encenação de mafuá.

A campanha começou com o destaque exageradíssimo dado ao assunto no domingo (27/06): matéria de capa, com direito a página inteira e nada menos do que cinco retrancas.

No texto principal, ficamos sabendo que Marinus Marsico, procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, quer que sejam revistos, "por ora", 9.371 benefícios já concedidos desde a promulgação da lei respectiva em 2002.

Por quê?

Porque "a revisão poderá gerar uma economia de milhões de reais aos cofres públicos", diz o procurador.

Ora, isto não é nem nunca foi argumento aceitável numa democracia. Reduzem-se benefícios quando são injustificados, não para amenizar problemas de caixa dos governos. E em nenhum dos textos do Estadão são honestamente apresentados os critérios do programa.

Tratou-se de uma iniciativa pioneira no Brasil, seguindo as recomendações da Organização das Nações Unidas para países que saem de ditaduras.

A Comissão de Anistia foi constituída em 2002 para identificar os cidadãos que sofreram graves danos de ordem física, psicológica, moral e profissional como consequência do arbítrio instaurado no Brasil entre 1964 e 1985, recomendando ao ministro da Justiça a reparação adequada em cada caso.

As regras do programa são as seguintes:
  • para quem comprova terem seus direitos sido atingidos apenas em termos físicos e/ou psicológicos e/ou morais, é concedida uma indenização em parcela única (que o procurador Marsico não questiona);
  • quem, ademais, teve sua trajetória profissional comprometida pelo estado de exceção, faz jus a uma pensão mensal e a uma indenização retroativa referente às décadas transcorridas entre a lesão a seus direitos e o início do recebimento da reparação.

Isto se aplica, principalmente, àqueles que foram afastados do serviço público, de instituições subordinadas ou vinculadas ao Estado e das Forças Armadas por terem opiniões diferentes das dos golpistas encastelados no poder. Tal caça às bruxas, inconcebível e inaceitável no século XX, privou dezenas de milhares de cidadãos do seu emprego legítimo.

E houve também casos de indivíduos que perderam seu trabalho na iniciativa privada em função de perseguições políticas, como o jornalista Carlos Heitor Cony (o Correio da Manhã foi obrigado a demiti-lo) e os também jornalistas Jaguar e Ziraldo, cujo Pasquim foi sufocado pela ditadura por meio de prisões arbitrárias dos integrantes da equipe, censura que atingia as raias do grotesco e terríveis pressões econômicas.

Por se referirem a cidadãos prósperos e famosos, estes três casos chocaram a opinião pública. Mas, a página virtual do programa está à disposição de todos e uma análise criteriosa das reparações já aprovadas permitirá a qualquer interessado verificar que os benefícios duvidosos nem de longe são 9.731. Não chegam sequer a uma centena.

O procurador Marsico e o Estadão pinçam casos isolados para dar a impressão de que os demais seguem todos o mesmo diapasão, O QUE NÃO É VERDADE.

Meu caso foi considerado, pelo então presidente da Comissão da Anistia, Marcello Lavènere, o mais dramático que o colegiado já havia julgado até aquele final de 2005. Exatamente por isto, tive de ficar conhecendo em profundidade o programa, pois não tinha como pagar advogado e travei minha luta sozinho.

Afirmo, com total conhecimento de causa, que houve distorções e equívocos, como em todas as ações humanas, mas numa escala imensamente inferior à que o procurador alega.

                                O QUE SE DIZ E O QUE SE OMITE
                           SOBRE A PENSÃO DA VIÚVA LAMARCA

O viés ideológico desse ataque ao programa salta aos olhos quando procurador e jornalão questionam o benefício concedido a Maria Pavan Lamarca, viúva do ex-capitão Carlos Lamarca, que "desertou do Exército, virou guerrilheiro e foi morto em 1971", segundo a reportagem.

Para os cidadãos civilizados, foi o Exército que desertou da democracia, passando a prestar serviços de jagunçada para os golpistas que usurparam o poder.

Ao voltar-se contra os que tornaram as Forças Armadas um instrumento do arbítrio, Lamarca honrou o compromisso que assumira, de defender a ordem constitucional do País. Foi preso e covardemente executado.

Está na reportagem:

"Lamarca foi promovido a coronel, quando a promoção correta seria a capitão, argumenta a representação. Os valores pagos à viúva equivalem ao vencimento de general, completa o texto. 'A remuneração mensal de R$ 11.444, bem como o pagamento retroativo de R$ 902,7 mil deveriam ser reduzidos', diz [o procurador Marsico]".

Ora, capitão ele já era. Caso as instituições não tivessem sido golpeadas em 1964, Lamarca, militar tão brilhante a ponto de haver sido escolhido para integrar a Força de Paz da ONU no canal de Suez, atingiria inevitavelmente as culminâncias do oficialato.

E, ao trombetear que haveria irregularidade nesse caso, um procurador jamais poderia omitir o que o presidente da Comissão de Anistia Paulo Abrão Pires Jr., esclareceu irrefutavelmente em 2007, respondendo à grita falaciosa da direita:
  • quem reconheceu a responsabilidade do Estado brasileiro pela morte de Carlos Lamarca foi a Comissão de Mortos e Desaparecidos, vinculada à Secretaria de Direitos Humanos, em 1996;
  • quem primeiramente reconheceu a condição de anistiado político a Lamarca, afastando a tese da deserção, foi a Justiça Federal de São Paulo, em decisão transitada em julgado e confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça;
  • quem o promoveu a coronel foi a 7ª Vara Federal de São Paulo, em 2006;
  • a Comissão de Anistia não acatou o pedido da viúva requerente, que solicitava a progressão para general-de-brigada, mantendo apenas a decisão proferida anteriormente pela Justiça, que concedeu a Lamrca o posto de coronel;
Então, o que realmente fez a Comissão de Anistia foi:
  • estender a Lamarca o privilégio de que desfrutam todos os oficiais ao passarem à reserva, de receber pensão equivalente ao soldo da patente imediatamente superior;
  • considerar Maria e seus filhos César e Cláudia também anistiados, concedendo a cada um deles uma indenização de R$ 100 mil, em parcela única.
Quem quiser saber mais, é só reler meu artigo de três anos atrás, Caso Lamarca: muito barulho por nada.

Mesmo assim, o editorial do Estadão de 3ª feira (29/06), A indústria da reparação, repete a desinformação da reportagem de dois atrás, até com as mesmas palavras:

"O procurador Marinus Marsico cita três exemplos de reparações claramente impróprias. O primeiro é o benefício pago à viúva do capitão Carlos Lamarca, que desertou do Exército para se tornar guerrilheiro e foi morto na Bahia em 1971. Depois da anistia, Lamarca foi promovido post-mortem a coronel, acima dos postos de major e tenente-coronel. Com isso, a viúva Maria Pavan Lamarca recebe o equivalente ao soldo de um general".

O jornal parece estar voltando aos idos de 1964, quando a família proprietária assumidamente conspirou para a derrubada do governo constitucional de João Goulart, ponto de partida do festival de horrores que a União agora está sendo obrigada a reparar.

Justiça seja feita, recuou quando a sucessão de abusos e atrocidades atingiu seu auge, passando a questionar aspectos do regime que ajudou a instaurar.

Mas, deveria reconhecer que sua posição no caso não é nem um pouco isenta.

E que não tem autoridade moral nenhuma para questionar a reparação das injustiças do passado.


* Jornalista, escritor e ex-preso político com lesão permanente provocada por torturas, anistiado pelo ministro da Justiça em 2005. http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/

segunda-feira, 28 de junho de 2010

LUNGARZO: CASO BATTISTI MARCHA PARA UM DESFECHO JUSTO





      As Declarações da Candidata sobre o Caso Battisti


Carlos Alberto Lungarzo


Anistia Internacional (USA) – 2152711

Na edição desta 4ª feira (24), o jornal O Estado de S. Paulo repercutiu com destaque uma entrevista radiofônica concedida pela candidata presidencial Dilma Rousseff, sobre a decisão de extraditar ou não o escritor italiano Cesare Battisti. Vide retranca 1, retranca 2 e retranca 3 .


Segundo o jornal, ela "evitou hoje qualquer tipo de confronto com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e com os defensores da permanência no Brasil do ex-ativista de esquerda Cesare Battisti” (...), limitando-se a dizer que "se eleita presidente e se tiver de tomar a decisão sobre extraditar ou não Battisti, cumprirá a decisão do Supremo Tribunal Federal".


O jornal ainda afirma que “Dilma foi tão ambígua quanto a decisão de STF”. Esta afirmação contém um erro de redator, talvez porque ele queria usar uma forma retórica e não teve uma boa ideia. Com efeito...


... é verdade que Dilma foi, de fato, muito ambígua; aí ele está certo.


Mas o STF não foi nada ambíguo, e aí o redator se engana. Na última rodada do processo, em dezembro, o tribunal aprovou, por 5 contra 4, que o presidente não está vinculado ao parecer do STF autorizando (mas não determinando) a extradição, desde que se mantenha compatível com o tratado existente entre o Brasil e a Itália.


Isto não é nada ambíguo, é claríssimo. Se alguém duvida de que 5 é maior que 4, por favor, pergunte a seu filho ou sobrinho de quatro anos...


Quando o ministro Cézar Peluso disse que a decisão era confusa e não sabia como redigi-la (coitado, quanto problema!), estava criando um clima de animosidade e tentando convencer a opinião pública de que Lula não tinha recebido do STF pleno direito de decisão, desde que compatível com o tratado.


Uma prova mais que evidente desta manobra é esta: apesar de ter “ameaçado” que a redação poderia durar muuuuuito tempo, o acórdão acabou saindo quatro meses depois, o que está mais ou menos na média da Justiça brasileira.


Ou seja, a proclamação do resultado do STF era bem clara e Peluso não precisou se angustiar tanto como pensava. Todo mundo entendeu muito bem o que tinha dito Eros Grau.


O sempre brilhante Marco Aurélio de Mello fez uma ironia forte: disse que era necessário fazer um simpósio para discutir como se proclamam os resultados. Ele já tinha dito que essa reunião de dezembro era uma manobra da Itália para “virar a mesa”


Não sei, nem acho relevante saber por que a rádio Band AM de Campinas insistiu neste assunto, sobre o qual a candidata Dilma disse algo exatamente igual há várias semanas, nem por que o Estadão dá tanta relevância a esta banalidade.


Seja qual for o motivo, quero tranquilizar os milhares de amigos de Cesare. Digo “tranquilizar”, porque cá na América Latina justiça e política são misturadas e dominadas por interesses de nível moral nada elogiável.


É natural, então, que a gente não possa confiar nem na própria sombra.


A declaração da candidata
Não sou analista político, e não posso me imaginar em qualquer função da política oficial do establishment. Mas, como o assunto é muito óbvio, vou fazer um esforço e imaginar-me no papel de consultor da candidata para política interna.


Eu diria para ela:


“Dilma, você não fale nada sobre Battisti. Lembre que seu concorrente já se manifestou a favor da extradição. Se você dizer que não extraditará, ele dirá: ‘tão vendo? Eles são malandros defensores de criminosos...


“Se alguém lhe perguntar (o que, com certeza, acontecerá), você diga que não sabe qual será a decisão de Lula, mas que você é obediente ao Judiciário. Você nunca será cobrada porque Battisti será liberado antes de você tomar posse, caso seja eleita”.


Claro que minha ética pessoal e meus valores sociais nunca me permitiriam dar um conselho como este, mas não importa. Tampouco sou assessor de ninguém. Mas, que o raio de Júpiter me fulmine se ela não recebeu um conselho como este!


Por que o Presidente extraditaria?
O Presidente não tem nenhum motivo para extraditar Battisti. É um assunto irrelevante para os planos pragmáticos do governo de erigir o Brasil em potência mundial. Nem ajuda nem atrapalha. Então, não há nenhum motivo para extraditar.


Ora, pareceria tampouco existir motivo para salvar a vida de Battisti. Mas, existe sim.


Primeiro, extraditar Battisti seria uma maldade inútil, uma perversidade desnecessária. Nada se ganharia fornecendo um troféu a esse bando de desvairados por vendetta, que se arrancam os olhos numa briga pelo butim do estado, em meio aos escândalos de corrupção mais escrachados da história da Europa após a guerra. Se Lula mandasse Battisti à tortura e à morte, o que ganharia em troca? A Itália não pode dar-lhe o assento permanente na ONU, porque nem para ela própria conseguiria, se tentasse.


Segundo, entregar Battisti aumentaria a já negativa folha corrida do estado brasileiro (não digo “o governo”, digo o estado em geral, desde há muito tempo) como violador dos direitos humanos básicos em todos os departamentos: brutalidade prisional, tortura, trabalho escravo, pedofilia, violência contra mulher, massacres de fazendeiros contra camponeses, anistia dos criminosos de estado, leniência com os autores de chacina, homofobia, misoginia, negação dos direitos da mulher, em fim... não tenho memória em meu computador para escrever tudo. Isso, sem falar nos direitos sociais.


O leitor pode pensar: e acaso o governo se importa com os Direitos Humanos? Bom, há membros do governo que sim se importam, e eles têm algum peso. Se assim não fosse, o PNDH-3 que é uma obra teoricamente magnífica, não teria sido nem mesmo publicado.

O que o Presidente pode argumentar
O Estadão, na matéria mencionada, se refere também à posição do senador Eduardo Suplicy, segundo quem a condenação à prisão perpétua é um obstáculo para a deportação. Como sempre, ponderado e agudo, Suplicy tocou no ponto sensível.


Há, pelos menos, quatro itens do tratado italo-brasileiro que impedem a extradição de Battisti. Se ele for extraditado, esses pontos seriam violados.


Entretanto, o assunto da prisão perpétua é o mais claro. Como já disse o ilustre Dalmo Dallari (Extradição inconstitucional), trata-se de uma questão de soberania nacional.


Nenhum tratado está acima da Constituição Federal. E, no mesmo nível, estão apenas os tratados sobre Direitos Humanos.


Ora, a Constituição brasileira proíbe a prisão perpétua.


Claro que os italianos pensaram numa “jogada mestra”: o boquirroto ex-ministro Mastella disse lá, pensando que não ficaríamos sabendo aqui, que nos prometeria reduzir a prisão ao que é aceitável para nossas leis, mas apenas para “enganar os brasileiros”.


Há um fato que Dallari já denunciou, mas deve ser repetido tantas vezes quantas a questão seja provocada: a Itália não pode modificar uma sentença que já transitou em juízo.


Eu acrescento, por minha parte, que, mesmo que a intenção italiana fosse boa (e, obviamente, não é), ela deveria violar suas próprias leis para alterar uma sentença judicial que já é definitiva. E por que os italianos fariam isso? Após 31 anos perseguindo uma pessoa por todo o planeta, eles iriam violar leis para beneficiar sua presa? Ridículo.


Outros Pontos do Tratado
No caso de Battisti, paradoxalmente, o tratado não é um inimigo. Por milagre, ele contribui conosco!


Ele possui três artigos (o 3º, 4º e 5º) que estabelecem motivos para a recusa de extradição. Destes, o 4º não é aplicável, pois se refere a pena de morte, uma punição que não existe na Itália. Entretanto, o artigo 3º se aplica perfeitamente em seu inciso “f”. Já o artigo 5º é aplicável em sua totalidade


O inciso “f” visa proteger o extraditando de riscos de perseguição e discriminação ponderáveis. Ora, um risco é uma probabilidade de que aconteça um fato negativo. Já uma certeza é um risco cuja probabilidade é 100%. Uma certeza de perseguição é, portanto, uma forma máxima de risco. E, no caso de Cesare, existe certeza.


Battisti já foi condenado. Deve notar-se que a maioria das extradições passivas é requerida em casos de fugitivos que aguardam processamento, embora haja algumas também para aplicação da pena.


Entretanto, Cesare foi condenado à revelia, sem provas, sem testemunhas e até sem advogados. De toda essa fraude saiu nada menos que duas prisões perpétuas. Isto é considerado perseguição no Manual do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e contraria os acordos da União Europeia, segundo os quais qualquer pessoa julgada à revelia deve ter direito a novo julgamento. Itália é o único país da União que não obedece esta norma.


Também Battisti corre risco de vida e de integridade física, pois: (1) o ministro La Russa manifestou seu interesse em torturá-lo; (2) o sindicato de carcereiros disse que quer "vingar Santoro"; (3) o chefe dos sindicatos dos policiais disse que a Itália deveria declarar guerra ao Brasil (por causa de Battisti); e (4) pessoas menos procuradas que Battisti têm sido assassinadas nas prisões italianas, tanto que nelas ocorrem quase mil mortes violentas por ano e entre 55 e 65 suicídios induzidos.


Conclusões
O governo não extraditará Battisti. A extradição seria tão irracional que nem vale a pena discutir sobre esse ponto.


É certo, entretanto, que a decisão do Presidente está demorando demais. A condição de prisioneiro não é brincadeira, mesmo que recebendo tratamento relativamente humano (dentro do que pode ser um cárcere na América Latina). O Presidente e a candidata à Presidência, que foram ambos perseguidos, embora com diferente grau de sofrimento, devem saber disso.


Portanto, está na hora de libertar Battisti.


Não há nada que temer. Os que estimularam o linchamento de Battisti no Brasil estão desmoralizados, e já sentem o desgaste que produz o ódio. Por exemplo:


Os que montaram em janeiro de 2009 uma petição para extraditar Battisti, reuniram, num ano e meio, 307 míseras assinaturas, algumas das quais parecem forjadas. E isto contando com todo o apoio da mídia, dos militares, da oposição política, de parte do Judiciário e da diplomacia.


O jornalista italiano Giuseppe Cruciani, autor do último grito de ódio contra Battisti, expresso em seu tendencioso livro “Gli amici del Terrorista”, reconhece, quando lhe perguntam se Battisti será extraditado: “Io non credo”.


Até o mais soturno inimigo dos ultraesquerdistas de mais de 30 anos atrás, o procurador Armando Spataro, não disse nenhuma palavra contra Battisti numa entrevista passada no dia 07/06/10 pela TV italiana, no famosíssimo programa da Lucia Annunziata, um equivalente feminino do Jô Soares. Apesar de dialogar com a apresentadora sobre quase toda sua vida profissional, aquele assunto não foi tocado. Por sua vez, os políticos não se pronunciam há pelos menos dois meses. O último foi o chanceler Frattini e o penúltimo o prefeito de Veneza.

Então, salvo um milagre, os inimigos de Battisti já não conseguem fazer mais nada. Faço, então, um apelo ao valoroso grupo de parlamentares, juristas, advogados e ativistas dos DH: redijam uma petição precisa e fundamentada, pedindo ao Presidente que agilize sua decisão.



Celso Lingaretti:

(1) No caso de Battisti, paradoxalmente, o tratado não é um inimigo. Por milagre, ele contribui conosco!



Ele possui três artigos (o 3º, 4º e 5º) que estabelecem motivos para a recusa de extradição. Destes, o 4º não é aplicável, pois se refere a pena de morte, uma punição que não existe na Itália. Entretanto, o artigo 3º se aplica perfeitamente em seu inciso “f”. Já o artigo 5º é aplicável em sua totalidade


O inciso “f” visa proteger o extraditando de riscos de perseguição e discriminação ponderáveis. Ora, um risco é uma probabilidade de que aconteça um  fato negativo. Já uma certeza é um risco cuja probabilidade é 100%. Uma certeza de perseguição é, portanto, uma forma máxima de risco. E, no caso de Cesare, existe certeza.


Battisti já foi condenado. Deve notar-se que a maioria das extradições passivas é requerida em casos de fugitivos que aguardam processamento, embora haja algumas também para aplicação da pena.


Entretanto, Cesare foi condenado à revelia, sem provas, sem testemunhas e até sem advogados. De toda essa fraude saiu nada menos que uma prisão para a vida toda. Isto é considerado perseguição no Manual do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e contraria os acordos da União Européia, segundo os quais QUALQUER PESSOA JULGADA À REVELIA DEVE TER DIREITO A NOVO JULGAMENTO.


Também Battisti corre risco de vida e de integridade física, pois: (1) o ministro La Russa manifestou seu interesse em torturá-lo; (2) o sindicato de carcereiros disse que quer "vingar Santoro"; (3) o chefe dos sindicato dos policiais disse que a Itália deveria declarar guerra ao Brasil (por causa de Battisti); e (4) pessoas menos procuradas que Battisti têm sido assassinadas nas prisões italianas, tanto que nelas ocorrem quase mil mortes violentas por ano e entre 55 e 65 suicídios induzidos.

Celso Lungaretti é jornalista e escritor. http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/



sexta-feira, 18 de junho de 2010

Uma Breve Lembrança de José Saramago

               Imaginação e Direitos Humanos

              

Carlos Alberto Lungarzo

Anistia Internacional (USA) – 2152711

Hoje, 18 de junho de 2010, a cultura universal e o humanismo tiveram seu dia mais aciago desde 15 de Abril de 1980, quando faleceu Jean-Paul Sartre, um dos intelectuais mais completos do século e um dos maiores ativistas da história. Foi anunciada a morte de José de Sousa Saramago, o mais celebrado escritor da língua portuguesa, pensador finíssimo e criativo, narrador original e intenso, a figura que fez a delícia de várias gerações de mentes sensíveis e progressistas.

Mas não tenho cacife nem faz parte de minha missão me referir ao grande mestre em sua qualidade de literato, filósofo e artista. Quero que esta nota (que deve ser breve, pela urgência de torná-la pública) se refira a seu aspecto mais importante: os direitos humanos.

Digo isto, porque, junto ou acima de sua lendária celebridade como escritor no mundo todo, nada foi mais importante que sua defesa da condição humana. Saramago não foi apenas um literato que expressou, através de sua arte, uma visão humanista e progressista do mundo. Foi um homem comprometido, um observador e um ator consciente e corajoso, um batalhador que assumiu riscos radicais, desde que emergeu, em sua juventude, de uma região do mundo dominada pelo fascismo e o obscurantismo, até anos recentes.

Diferente das outras duas figuras históricas com as quais possui grande afinidade, Sartre e Bertrand Russell (1872-1970), Saramago nasceu numa família que não provinha da burguesia intelectual francesa, nem, menos ainda, da nobreza britânica, mas de uma família de trabalhadores pobres que lutava contra a devastadora miséria das vielas da Freguesia de Azinhaga, e que se deslocou a Lisboa logo que fora possível.

Se Portugal foi um estado fascista até o começo da década de 70, podemos imaginar como se vivia naquele sofrido extremo da Europa quando Saramago se aproximava dos 15 anos, com a sangrenta imagem do falangismo espanhol batendo nas fronteiras de Portugal, e as atrocidades do Salazarismo em sua própria terra.

A vida de Saramago é pública e bem conhecida. Quero falar um pouco de minhas vivências sobre o grande escritor, a partir de minha condição de ativista dos Direitos Humanos.

No ano 1989, quando um grupo de garotos e meninas inexperientes tentou evitar uma quarta tentativa de golpe militar na Argentina, num esforço generoso de defender a democracia, os ativistas foram alvo de uma tocaia tendida pelo exército, onde muitos deles foram metralhados, queimados com bombas de napalm, e alvejados por bazucas. Mais de 40 foram capturados e submetidos a bárbaras torturas. A democracia não estava grata a seus defensores. Pelo contrário, aqueles infames e covardes politiqueiros odiavam esses jovens ingênuos que tinham estorvado o objetivo das máfias políticas argentinas: reconciliar-se com os militares para continuar a repressão pela via “legal”.

Este caso, chamado La Tablada, pelo nome da cidade onde foi tendida a cilada, é muito longo e complexo. Suas sequelas duraram até o ano 2000. Onze anos após o massacre, as vítimas que foram capturadas vivas e torturadas, estavam cumprindo, com sentença sem julgamento, penas que iam de 20 anos a prisão perpétua. Os corruptos juízes tinham entregado os documentos ao procurador militar, para que ele decidisse, mantendo longe os advogados da defesa, e proibindo a possibilidade de recurso. Durante o governo mafioso e neofascista de Menem (1990-1999), Argentina desobedeceu as exigências da CIDH da OEA (chefiada na época pelo grande mestre dos DH na América do Sul, Hélio Bicudo) de submeter a julgamento àquelas vítimas.

Em 2000, quando assumiu De La Rua, um bacharel ardiloso, as vítimas pensaram que teriam uma esperança. O novo presidente não era um terrorista de estado, como Menem, nem estava implicado em crimes contra a Humanidade como aquele; era apenas um moderado colaborador da direita que podia ser pressionado. A única alternativa dos jovens era morrer dignamente, e começaram uma greve de fome que, em total, durou quase três meses.

Foi então que soube da generosidade de Saramago. Não foi o único prêmio Nobel. Também, Rigoberta Manchu, Pérez Esquivel e outros colaboraram conosco. No entanto, o mais comovente foi sua humildade e objetividade. Ele escreveu uma carta ao Presidente De La Rua, quem deve ter tomado conhecimento do escritor pela primeira vez na vida.

Não lembro literalmente de todo o conteúdo, e não quero distorcê-la, mas lembro seu espírito e as primeiras linhas.

Ele dizia que um prêmio Nobel não tem nada de especial, mas, às vezes a sociedade distingue algumas pessoas, e isso torna a voz delas pessoas mais escutada que a de outras. Não era só modéstia. Era o sentimento profundo do valor relativo das premiações, que tanto deslumbram os buscadores de prestígio e os temperamentos preconceituosos.

Saramago lutou por essa e por muitas outras causas até o final, e é muito difícil avaliar numa rápida olhada quando lhe devem as causas nobres, progressistas e humanitárias ao longo de uma vida, primeiro, assombrada pelo fascismo tradicional, depois, pelo fascismo de mercado, e atualmente, pelo vandálico neoliberalismo.

E foram essas forças trevosas as maiores inimigas do afável e simples Seu José.

Saramago foi tortuosamente acusado de antisemita, por ter expressado, com uma isenção e serenidade alheia a quase todo o resto da esquerda (que generaliza o terrorismo de estado israelense a toda a ideologia sionista), um fato singelo e objetivo: não pode usar-se o pretexto de ter sofrido, para provocar o sofrimento dos outros.

Mas esta posição de crítica objetiva ao terrorismo israelense, o diferenciando do sionismo em geral, também compartilhada por Noam Chomsky e dúzias de intelectuais judeus e não judeus, não é seu principal gesto em defesa dos valores humanos.

Saramago desafiou forças muito mais intensas, ancoradas na península Luso-Ibérica desde os tempos dos reis visigodos, como a superstição e o nacionalismo. Neste último sentido, o escritor se definiu em favor de uma federação Espanha-Portugal, ressaltando a importância da fraternidade das nações e desprezando a ideia fetichista de que a pátria pode ter sentido independente dos habitantes. Ele voltava assim, as fontes mais puras do comunismo clássico, antes do chamado “nacionalismo de esquerda”.

Como Giordano Bruno, Galileu, Miguel Servet, Goya, e outras celebridades capitais na história do pensamento e da ação, Saramago foi alvo do ódio da Igreja Católica. Ao longo da vida cultural de Ocidente, foram poucos os pensadores que ousaram dizer, singelamente, que não existia nenhuma prova da existência de Deus, e que as pessoas acreditavam por diversas razões (entre elas, o temor).

Com efeito, até as mentes consideradas lúcidas, esmolavam moderação da crueldade doentia do Santo Ofício. A colocação de uma filosofia realmente humanista (que teve alguns traços nos hedonistas e céticos gregos) só conseguiu consistência com os mecanicistas franceses, e especialmente com as correntes que surgem do marxismo e do anarquismo.

Saramago se insere nesse grupo de vozes esclarecidas, modestamente seguras, sem empáfia nem alarde. Teve a seu favor o fato de ter vivido numa época em que as fogueiras da Inquisição parecem apagadas... ou amortecidas. Sua defesa do humanismo, seu espírito de tolerância, e seu reconhecimento da beleza de alguns textos teológicos (a despeito de seu vácuo conceitual) são únicos em nossa época. Compartilha com Sartre, Russell e Camus a desmistificação da sacralidade. Mas, Sartre expressa suas ideias não com o senso comum, mas com uma filosofia de compreensão árdua; Russell, como quase todo cientista, não atingiu a popularidade que consegue um artista ou um literato; e Camus, apesar de seu agnosticismo e humanismo, defende uma solução egoísta e individual, porque o homem que ele liberta encarna a luta pessoal e não a solidariedade.

Creio que Saramago está ainda em vantagem com Noam Chomsky, pois sua humildade e objetividade o conduzem a uma visão equilibrada do universo. Ele disse que a Bíblia é um "manual de maus costumes, [...] um catálogo de crueldade e do pior da natureza humana", mas nada há nisto que não possa ser demonstrado. Não é o produto de nenhuma parcialidade, mas do amor e preocupação por uma humanidade sadicamente ferida pelas trevas espalhadas pelas teocracias.

José Saramago nunca diminuiu seus esforços pela Humanidade, e os manteve ativos em quanto sua saúde física permitiu. Ninguém pode contra uma doença terminal, porque justamente, essa fragilidade faz parte de nossa natureza biológica. No ano passado tentei me comunicar com ele, para adicionar seu nome à lista de Prêmios Nobel e outras celebridades que pediram a libertação de Cesare Battisti. Não tenho dúvida de que ele teria aderido com entusiasmo. Mas, sem que eu soubesse, ele estava sofrendo os estragos finais da leucemia e meu e-mail não chegou a destino.

Ao transformar-se de novo a brilhante mente e a fina sensibilidade de José Samarago, num conjunto de células sem vida, as perdemos de maneira definitiva. Sabemos que nem um átomo de seu eu sobreviverá em lugar algum. Mas fica sua obra e sua lembrança para iluminar a noite do mundo supersticioso, racista e sanguinário que ainda vivemos.



DIREITA ESPALHA QUE "DULCE MAIA" SERIA CODINOME DE DILMA... MAS ELA EXISTE!

                                                                                                                              Celso Lungaretti (*)


Veterana da resistência à ditadura de 1964/85, a ambientalista Dulce Maia de Souza (foto) é mais uma vítima da propaganda enganosa dos sites e correntes virtuais de extrema direita.

Tais discípulos de Goebbels não só estão recolocando em circulação as falsas acusações a ela feitas por Élio Gaspari em 2008 (que acarretaram ao jornalista/historiador uma condenação da Justiça paulista), como chegam ao cúmulo de acrescentar que Dulce não seria uma pessoa, mas sim um nome-de-guerra adotado por Dilma Rousseff. Eis um blogue, dentre muitos, em que tal falácia é mantida no ar.

Ou seja, imputam falsamente a Dilma as falsidades que Gaspari assacou contra Dulce. É a tabelinha dos falsificadores da História...

Vale a pena recapitularmos o caso original, para que seja melhor entendido o protesto de Dulce.



O EPISÓDIO "ALGOZ E VÍTIMA"


Tudo começou em 12/03/2008, quando Gaspari publicou na Folha de S. Paulo uma diatribe contra a União por ter decidido pagar ao suposto algoz Diógenes Carvalho de Oliveira uma indenização duas vezes maior do que a outorgada à sua suposta vítima Orlando Lovecchio Filho.

Como o primeiro era um militante da Resistência à ditadura e o segundo, o cidadão que perdera a perna num atentado ao consulado estadunidense supostamente por ele cometido em 1968, o assunto logo transbordou do circuito habitual do Gaspari para outros jornais, revistas semanais, sites de extrema-direita e correntes de e-mails neo-integralistas.

Como de praxe, as refutações foram ignoradas pela Folha ou relegadas à seção de cartas (cortadas até se tornarem anódinas, publicadas com imenso atraso, etc.), enquanto os espaços nobres serviam para repercutir o texto de Gaspari ou trazer-lhe acréscimos, na vã tentativa de respaldar suas afirmações indefensáveis.

Tanto a Folha quanto Gaspari chegaram a reconhecer que, dos quatro militantes apontados levianamente como autores do atentado, Dulce Maia era inocente e havia sido por eles caluniada.

Mas, nem mesmo o depoimento do único participante ainda vivo desse atentado obteve o merecido destaque, apesar de provocar uma verdadeira reviravolta no caso: Sérgio Ferro, admitiu sua culpa e seus remorsos, mas desmentiu a participação de Diógenes de Carvalho e Dulce Maia, além de esclarecer que se tratou de uma ação da ALN e não (como Gaspari afirmara) da VPR.

Outra informação importantíssima que a Folha sonegara de seus leitores: Ferro foi acionado na Justiça por Lovecchio e obteve ganho de causa graças aos relatórios médicos que apresentou como prova.

O primeiro dava conta de que o ferimento de Lovecchio era grave, mas existia possibilidade de recuperação. Depois, o socorro a Lovecchio foi interrompido pelo Deops, que quis interrogá-lo, provavelmente para saber se ele era vítima do atentado ou um participante azarado. Quando os policiais afinal o liberaram, sua perna já havia gangrenado e teve de ser amputada (2º relatório).

Ora, se o algoz não era algoz, então o texto inteiro do Gaspari perdia o gancho e desabava, bem como as matérias caudatárias publicadas por outros veículos.

A consciência da vulnerabilidade de sua posição aos olhos dos (poucos) cidadãos bem informados fez Gaspari voltar ao assunto na coluna dominical de 25/03/2008. E o fez recorrendo às informações que, desde o início, foram a viga-mestra de suas perorações fantasiosas: os famigerados inquéritos inquéritos policiais-militares da ditadura, contaminados pela prática generalizada da tortura.

Como um mero araponga, ele se pôs a revolver o lixo ensanguentado da repressão, dando grande importância ao fato de que havia congruência entre os depoimentos extorquidos dos torturados e omitindo que os torturadores forçavam todos os presos a coonestarem a versão oficial, a síntese elaborada pelos serviços de Inteligência das Forças Armadas, para que o resultado final tivesse alguma verossimilhança.

Como historiador, Gspari deveria saber (ou sabia e omitiu) que os militantes eram coagidos a admitir os maiores absurdos nas instalações militares e, depois, encaminhados a delegacias civis onde deveriam repetir, sem torturas, as mesmas afirmações. Os que, pelo contrário, desmentiam tudo, eram recambiados aos quartéis e novamente submetidos a sevícias brutais, até se conformarem em obedecer ao script.

Destrambelhado, Gaspari ousou até fazer novo ataque a Dulce Maia, a quem pedira humildes desculpas no domingo anterior. Embora ela não houvesse mesmo participado do atentado contra o consulado dos EUA, Gaspari quis imputar-lhe outras ações armadas, como se isto fosse atenuante para tê-la acusado falsamente.

Sobre essa escalada de abusos, eis alguns trechos da sentença emblemática do juiz Fausto Martins Seabra, da 21ª Vara Civel Central da Capital, que condenou a Folha e Gaspari a indenizarem Dulce:

"No caso em foco não se pode esquecer que a notícia inexata foi produzida por jornalista bastante respeitado por substancial obra em quatro volumes sobre a história recente do país, o que lhe impunha maior responsabilidade na divulgação de informações sobre aquele período.

"Impossível supor que todos os leitores da notícia inexata tenham também lido as erratas e os pedidos de desculpas do articulista.

"Ter o nome associado à prática de um crime do qual não participou é suficiente para sofrer sensações negativas de reprovação social, angústia, aflição e tantas outras que consubstanciam danos morais relevantes sob o aspecto jurídico e, portanto, indenizáveis.

"(...) A notícia de que participou do atentado ao consulado norte-americano não era verdadeira e, assim, não pode prevalecer diante do direito à honra."


A DENÚNCIA DE DULCE


Eis os principais trechos do desabafo de Dulce Maia diante da exumação desse artigo falacioso/desastroso de Gaspari para servir como matéria-prima para a difamação de Dilma Rousseff:


"Nos últimos meses, uma torrencial campanha caluniosa circula pela rede mundial de computadores tomando por base artigo do jornalista Elio Gaspari, publicado originalmente nos jornais Folha de S. Paulo e O Globo (...). Quem tiver curiosidade de buscar na internet o número de vezes que aparecem variantes da infame sentença -- “Agora a surpresa: adivinhem quem é Dulce Maia? Sim, ela mesma: Dilminha paz e amor! Esse é só mais um codinome da terrorista Estela/Dilma” -– colada ao final do artigo de Gaspari – verá que estão hospedadas em mais de 500 páginas da rede.

"Ao contrário do que afirmam, Dulce Maia existe e resiste. Quem é Dulce Maia? Sou eu.

"Não pretendo polemizar com meus detratores, que ousaram decretar minha morte civil. Estes irão responder em juízo por seus atos. Não admito que queiram impor novos sofrimentos a quem já foi presa, torturada e banida do Brasil durante a ditadura. Lutarei com todas as minhas forças para garantir respeito à minha honra e à minha dignidade.

"Gostaria apenas de fazer algumas reflexões sobre essa insidiosa campanha, alicerçada nos erros cometidos pelo jornalista Elio Gaspari (...). O articulista teve quarenta anos para apurar a história. Falsamente me colocou como participante do episódio, sem nunca ter me procurado para checar a veracidade das informações que dispunha. Tomou pelo valor de face peças do inquérito policial relativo ao atentado, como declaração extraída sob tortura do arquiteto e artista plástico Sérgio Ferro.

"Se o articulista tivesse compulsado os arquivos do próprio jornal Folha de S. Paulo, facilmente encontraria entrevista de Sérgio Ferro (...). Conforme se lê no texto do repórter Mario Cesar Carvalho, publicado a 18 de maio de 1992, 'Ferro assumiu pela primeira vez, em entrevista à Folha que ele, o arquiteto Rodrigo Lefrèvre (1938-1984) e uma terceira pessoa que ele prefere não identificar colocaram a bomba que explodiu à 1h15 do dia 19 de março de 1968 no consulado de São Paulo.

"Gaspari tinha o dever ético de me procurar para verificar se seria eu essa terceira pessoa. Além de não fazê-lo, publicou que o atentado fora cometido por cinco pessoas (entre as quais fui falsamente incluída).

"A esses erros elementares de apuração, deve se somar a relutância da Folha de S. Paulo em restabelecer a verdade. (...) O pedido de desculpas de Gaspari foi mera formalidade, sem delicadeza alguma. Sinal mais evidente do descaso do jornal foi a demora na publicação de carta de Sérgio Ferro, onde refutava categoricamente que eu tivesse participado daquela ação armada. A carta só foi publicada dois dias depois de ser divulgada no blog do jornalista Luís Nassif.

"Processado, o jornal foi condenado em primeira instância à reparação por danos morais.

"No entanto, o artigo de Gaspari voltou a circular com o espantoso adendo de que Dulce Maia não existe e que este seria apenas um codinome de Dilma Roussef. A utilização do artigo em plena campanha eleitoral mostra que setores da sociedade não têm qualquer apreço pela verdade como arma política. (...) Chama atenção, também, o silêncio de Elio Gaspari sobre o uso indevido de seu texto. Nunca li qualquer manifestação do articulista refutando o uso de seu nome em páginas que emporcalham a internet com mentiras sobre minha pessoa.

"O desrespeito é de duplo grau. Primeiro, pela reiterada circulação de informações falsas sobre o atentado ao consulado norte-americano (...). Em segundo lugar, e não menos importante, com a tentativa de me despersonalizar, como se Dulce Maia fosse apenas um codinome.

"Depois dos desaparecimentos forçados praticados pela ditadura, que impôs a aniquilação física de adversários políticos, sequazes do regime militar querem impor a aniquilação moral em plena democracia. E o fazem da forma mais vil, espalhando mentiras pela internet".

* Jornalista e escritor. http://naufrago-da-utopia.blogspot.com

terça-feira, 15 de junho de 2010

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Asilo Presidencial para Battisti Petition

Asilo Presidencial para Battisti Petition

Livro - SER BAMBU - Cesare Battisti/ Dica para o dia dos namorados

Um homem em fuga permanente, com rotina e próximo destino incertos. Medo, solidão e insegurança são sentimentos comuns em sua atormentada saga, e, assim, a escrita surge como um bálsamo para os seus fantasmas interiores. Com o tempo à sua disposição, deposita no papel seus pensamentos, ideias e a esperança de um dia voltar a ser um homem livre.


Cesare Battisti tece, em Ser bambu, um relato que alia suas reflexões sobre o tédio e o medo a uma envolvente narrativa biográfica. Desta vez, a protagonista é Áurea, uma mulher misteriosa, arredia, que provoca no narrador uma curiosa mistura de desprezo e fascinação. Aos poucos, ela desperta em seu interlocutor uma análise de seu próprio comportamento e do que lhe falta na vida, ao relatar a interessante trajetória de uma mulher corajosa e ousada. O autor mostra que, assim como Áurea, o bambu tem a ensinar uma bela lição de flexibilidade, determinação e resistência.


“Sempre fui fascinado pelo bambu. É impressionante a quantidade de coisas que dá para fazer com ele. O que eu mais gostava era, antes que ele fosse convertido em casas ou bazucas, de vagar entre os caules nodosos e fortes, mais altos que o céu e mais espertos que o vento, que mesmo com suas violentas rajadas ainda não dera jeito de quebrá-lo. Pobre vento, por possante e forte que seja, para o bambu não passa de música. Ele aproveita suas rajadas para se enfeitar como em dia de festa.”

Cesare Battisti


O autor :

Nascido em 1954 em Sermoneta, Itália, Cesare Battisti envolveu-se desde cedo com os ideais marxistas. Filho de pai comunista e mãe católica, iniciou sua militância pela extrema esquerda em 1968. Vinte anos depois, foi condenado à prisão perpétua pela justiça de Milão. Em 1990, partiu para a França, onde o então governo vigente de Miterrand evitou sua extradição – a proteção francesa lhe permitiu viver ali por quinze anos, durante os quais iniciou sua trajetória literária. Com o fim do governo Miterrand, a França decretou sua extradição. Em 2007, Battisti, fugiu novamente e foi preso no Rio de Janeiro. Atualmente detido em Brasília, aguarda decisão do governo sobre sua situação. Além de Ser bambu, Battisti escreveu também Minha fuga sem fim, publicado pela Martins Martins Fontes em 2008.

Fonte: Editora Martins Martins Fontes


sábado, 5 de junho de 2010

A TRAGÉDIA DO ORIENTE MÉDIO

(para reler e refletir)





                                                                                                                                  Celso Lungaretti (*)


Os folhetins, o cinema e a TV nos acostumaram a observar os complexos dramas das pessoas, povos e nações a partir de uma ótica simplista: heróis-vilãos-vítimas.


Ou, simplificando mais ainda, a acreditarmos que quem causa sofrimento às vítimas são os bandidos e quem as defende, os mocinhos.

No fundo, trata-se do velho e obtuso maniqueísmo, a que os pensadores marxistas contrapuseram a dialética: Bem e Mal não existem como instâncias metafísicas que, desde os píncaros do paraíso celestial ou das profundezas do inferno, teleguiam a práxis humana, mas sim como resultado das decisões e ações adotadas pelos homens em cada situação.

No primeiro caso, alguns encarnam o Bem absoluto e o Mal absoluto, sem nuances: os mocinhos são sempre mocinhos e os bandidos, eternamente bandidos.

Na análise marxista, os papéis vão sendo assumidos a cada instante, de forma que o mocinho de ontem poderá ser o bandido de hoje, e vice-versa.

A esquerda mundial até hoje não se recuperou do pesadelo stalinista, que, como Isaac Deutscher bem assinalou, foi um amálgama do pensamento sofisticado dos revolucionários europeus com a religiosidade primitiva da Santa Mãe Rússia.

E a História, infelizmente, favoreceu essa perda de densidade crítica por parte da esquerda. O nazifascismo parecia mesmo encarnar o Mal absoluto, colocando os que o combatiam na condição de cruzados do Bem absoluto.

Veio a guerra fria e a estreiteza de visão se consolidou definitivamente, de ambos os lados. A política mundial se tornou um mero western daqueles tempos em que os mocinhos se vestiam sempre de branco e os bandidos só usavam trajes negros.

Então, desde a década de 1950, quando os EUA se colocaram como protetores de Israel e os soviéticos se compuseram com o líder egípcio Gamal Abdel Nasser, ficou estabelecido que a única forma progressista de encararmos os conflitos do Oriente Médio é beatificando os árabes e satanizando os judeus.

A questão no Oriente Médio é muito mais complexa.

Em primeiro lugar, temos um povo (o judeu) milenarmente perseguido, não só devido à maldade intrínseca dos poderosos de todos os tempos, mas também a uma certa vocação para o martírio: nunca quis misturar-se aos outros povos e conviver harmoniosamente com eles, fazendo, pelo contrário, questão de preservar sua identidade cultural/religiosa e de ostentá-la aos olhos de todos.

Então, mais do que a outros povos, fazia-lhe imensa falta um território próprio. Constituindo uma colônia minoritária em outros países e segregando-se rigidamente dos naturais desses países, neles despertava previsível hostilidade.

Ademais, os judeus eram invejados pelos gênios da cultura e da ciência que produziam (Marx, Freud, Einstein e tantos outros) e por seu êxito nas finanças, além de despertarem a hostilidade dos governos pela participação marcante que tinham em movimentos libertários/revolucionários.

É sintomático, aliás, que a esquerda hoje esqueça ou omita a importantíssima contribuição do Bund (União Judaica Trabalhista da Lituânia, Polônia e Rússia) para a gestação do movimento revolucionário russo, no início do século passado.

HOLOCAUSTO – Ao buscar um inimigo comum contra o qual unir a nação alemã, Hitler não precisou pensar muito: os judeus eram a opção óbvia.

Finda a II Guerra Mundial, a indignação que o Holocausto provocou na consciência civilizada fez com que a idéia do lar judaico passasse a ser vista com simpatia generalizada.

Foi quando os judeus cometeram seu maior erro de todos os tempos: aceitando a liderança espúria de fundamentalistas religiosos/terroristas sanguinários, implantaram seu estado nacional numa região em que se chocariam necessariamente com outros fundamentalistas religiosos/terroristas sanguinários.

A Inglaterra, império decadente, bem que tentou impedir, em vão. E as pombas desnorteadas, judeus imbuídos dos melhores ideais, acabaram aderindo em massa ao projeto sinistro dos falcões.

Então, uma das experiências socialistas mais avançadas que a humanidade conheceu, a dos kibutzim (comunidades coletivas voluntárias israelenses), acabou sendo tentada num país que logo viraria bunker – e, melancolicamente, foi definhando, até quase nada diferir hoje em dia das cooperativas dos países capitalistas.

As nações árabes só não exterminaram até agora o estado judeu porque jamais o enfrentaram juntas e disciplinadas, sob um verdadeiro comando militar. Mesmo quando vários exércitos combateram Israel, atuaram praticamente como unidades independentes, em função das querelas e disputas de poder entre os reis, sheiks, sultões, califas, emires, etc., de países cuja organização política e social ainda é feudal.

Os israelenses, por enquanto, têm compensado sua inferioridade numérica com a superioridade de seus quadros e equipamentos militares, bem como com a repulsiva prática de promover massacres intimidatórios, reagindo de forma desproporcional e freqüentemente genocida aos ataques que sofre.

Os movimentos fundamentalistas/terroristas árabes agem como provocadores: sabem que jamais conseguirão enfrentar de igual para igual Israel, mas atraem retaliações contra seus povos, na esperança de que isto acabe trazendo as nações para o campo de batalha. Querem ser o estopim de uma guerra santa e não hesitam em sacrificar os seus em nome dos desígnios de Alá.

Os governantes feudais árabes, entretanto, têm mais medo de serem desalojados dos seus tronos do que ódio por Israel. Sabem que o despertar das massas contra o inimigo nacional pode derivar para levantes revolucionários em seus países. Preferem preservar o status quo, ao preço de fecharem os olhos a atrocidades como as cometidas contra os palestinos em Gaza.

Não se trata de nenhum filme de mocinho-e-bandido, pois só há vilãos entre os atores políticos; ninguém que mereça nossa simpatia e apoio.

Quanto às vítimas, estas sim são indiscutíveis: os civis que, nas últimas seis décadas, têm sido abatidos como moscas, devido à cegueira e (sejamos francos) imoralidade monstruosa desses atores políticos.

No fundo, a solução sensata seria o estabelecimento dos judeus noutro território qualquer – quantos países paupérrimos não lhes cederiam terras e autonomia administrativa, em troca de recursos e cooperação para seu desenvolvimento?

Mas não é a sensatez que rege o mundo e sim, como Edgar Allan Poe destacou, o horror e a fatalidade.

Então, os Hamas da vida continuarão ensejando carnificinas e os israelenses seguirão massacrando os vizinhos, trucidando seus velhos, mulheres e crianças, até que surja um novo Lawrence da Arábia e consiga levar à vitória a guerra santa sonhada pelos fundamentalistas/terroristas árabes.

O que temos no Oriente Médio é uma tragédia: os acontecimentos marcham insensivelmente para o pior desfecho e nada podemos fazer, exceto atenuar, tanto quanto possível, os banhos de sangue.


ESCREVI ESTE ARTIGO EM JANEIRO DE 2009, NA ESTEIRA DOS MASSACRES QUE ISRAEL PERPETRARA NA FAIXA DE GAZA.


PERMANECE, INFELIZMENTE, ATUALÍSSIMO.


OS ÚLTIMOS ACONTECIMENTOS NOS REVELAM, P. EX., QUE O BLOQUEIO DE GAZA SÓ FUNCIONOU PORQUE O EGITO COLABOROU COM ISRAEL NESSE INTENTO DESUMANO.


AGORA, FINALMENTE, SE DISPÔS A REVER SUA POSIÇÃO DE CONSIDERAR O HAMAS PIOR INIMIGO AINDA DO QUE O ESTADO JUDEU.


QUANTO A ISRAEL, FICAMOS SABENDO QUE SE TORNA, CADA VEZ MAIS, UM MONSTRO DE FRANKENSTEIN: AS ILUSÕES DE OUTRORA VÃO CEDENDO LUGAR À DURA REALIDADE DE QUE OS JUDEUS SOFISTICADOS NÃO QUEREM NELE RESIDIR, DAÍ O CRESCENTE AFLUXO DE JUDEUS MAIS PRIMITIVOS (E, PORTANTO, IMPIEDOSOS) PARA QUEM COMPENSA TROCAR A POBREZA NA QUAL VIVIAM PELOS RISCOS DE SE ESTABELECEREM NUMA ZONA DE CONFLITO.


ESSES NOVOS CONTINGENTES SÃO PREDOMINANTEMENTE DE FANÁTICOS RELIGIOSOS -- E, COMO TAIS, TENDENTES A APOIAR QUAISQUER SOLUÇÕES DE FORÇA CONTRA OS PALESTINOS.


ELES AUMENTAM MÊS A MÊS SUA ASCENDÊNCIA NA POLÍTICA E NO EXÉRCITO ISRAELENSES. E QUEREM MESMO QUE SURJAM CONFRONTOS COMO O ATUAL, PARA FECHAREM TODAS AS PORTAS AO DIÁLOGO CIVILIZADO, CONSOLIDANDO A OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO USURPADO AOS PALESTINOS.


DAÍ A HIPÓTESE, COGITADA POR ALGUNS ANALISTAS, DE QUE O MASSACRE DA FLOTILHA DE AJUDA HUMANITÁRIA EM ÁGUAS INTERNACIONAIS NÃO TENHA SIDO UM FESTIVAL DE ERROS E ABUSOS, MAS SIM UMA PROVOCAÇÃO DELIBERADA, URDIDA PELOS FALCÕES ISRAELENSES PARA AFASTAREM AINDA MAIS QUALQUER POSSIBILIDADE DE SOLUÇÃO NEGOCIADA.


IDEM O RECENTE ANÚNCIO DE NOVAS OCUPAÇÕES NO EXATO INSTANTE EM QUE OS ESTADOS UNIDOS EMPENHAVAM-SE EM BUSCAR UM ACORDO, O QUAL IMPLICARIA, PELO CONTRÁRIO, DEVOLUÇÃO DE TERRA AOS PALESTINOS.


MANTENHO MINHA ANÁLISE: O QUE ESTAMOS VENDO SÃO EVOLUÇÕES NO SENTIDO DE UMA ENORME TRAGÉDIA QUE NINGUÉM ESTÁ CONSEGUINDO EVITAR.


OS JUDEUS SÓ CONSEGUIRÃO PERMANECER EM ISRAEL SE CHEGAREM A ALGUMA FORMA DE ENTENDIMENTO COM OS LEGÍTIMOS PROPRIETÁRIOS DAQUELAS TERRAS.


NO LONGO PRAZO, A ALTERNATIVA PARA ELES É: COEXISTÊNCIA PACÍFICA OU EXPULSÃO (EVENTUALMENTE EXTERMÍNIO).


MAS, APROFUNDANDO SUA INTRANSIGÊNCIA, CONTRIBUEM INSENSIVELMENTE PARA ESSE DESFECHO.


MAIS DIA, MENOS DIA, OS POVOS ÁRABES SE UNIRÃO E VÃO ALCANÇAR A VITÓRIA. SE OS JUDEUS NÃO RECUAREM DE SUA LOUCURA BELICISTA, ACABARÃO COLHENDO O QUE ESTÃO PLANTANDO.


NO ENTANTO, NÃO VEJO MOTIVO NENHUM PARA NOS REGOZIJARMOS COM BANHOS DE SANGUE.


FICO ENOJADO AO VER CIDADÃOS ANTEGOZANDO DESDE JÁ O DIA EM QUE TAL "CANCRO" SERÁ "EXTIRPADO". QUEM GOSTA TANTO ASSIM DE VER PESSOAS MORRENDO, POR QUE NÃO VAI MATÁ-LAS PESSOALMENTE?


CONTINUAREI LAMENTANDO QUE SEJAM O HORROR E A FATALIDADE A REGEREM OS DESTINOS DO MUNDO, ENQUANTO O CAPITALISMO, JÁ PUTREFATO E CADA VEZ MAIS DESTRUTIVO EM SEUS ESTERTORES, NÃO CEDER FINALMENTE LUGAR À COOPERAÇÃO E SOLIDARIEDADE ENTRE OS HOMENS.


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* Jornalista e escritor, mantém os blogues


http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/


http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Anistia Internacional: O Ataque à Frota


Carlos Alberto Lungarzo



Anistia Internacional (USA) – 2152711



O Secretariado Internacional de Anistia Internacional publicou no dia 31 de maio um comunicado sobre o ataque de tropas israelenses à frota de voluntários em auxílio da população bloqueada de Gaza. O original deste comunicado, em árabe, francês, espanhol e inglês se encontra neste link. A tradução é literal.

É Necessário Investigar os Homicídios Israelenses de Ativistas da Frota de Gaza

Anistia Internacional tem pedido a Israel o início imediato de uma investigação credível e independente sobre os homicídios, executados por suas forças armadas, de pelo menos 10 ativistas da frota organizada para protestar pelo bloqueio israelense da Faixa de Gaza.

“As forças israelenses parecem ter feito uso excessivo de força – manifestou Malcolm Start, diretor do Programa de Anistia Internacional para Oriente Médio e Norte de África- Israel afirma que suas forças atuaram em legítima defesa, pois teria sido atacada pelos ativistas, porém não é credível que os meios letais que foram empregados estivessem justificados. Parecem uma resposta totalmente desmesurada à ameaça que tenha podido ocorrer”.

Anistia Internacional tem pedido às autoridades israelenses que, em primeiro lugar, façam públicas de imediato, as regras de intervenção ditadas às tropas que efetuaram este ataque mortal.

“Os ativistas da frota explicaram claramente que seu objetivo principal era protestar contra a persistência do bloqueio israelense, que constitui uma forma de castigo coletivo, sendo, portanto, uma violação do direito internacional” - assinalou Malcolm Smart.

O bloqueio não afeta especificamente os grupos armados, mas castiga toda a população de Gaza, ao restringir a entrada de alimentos, medicamentos, material educativo e materiais de construção. Seus efeitos são sentidos entre os mais vulneráveis dos 1,5 milhões de habitantes do território: crianças, idosos e doentes.

O bloqueio constitui um castigo coletivo, de acordo com o direito internacional, e deve ser imediatamente levantado.

Em virtude do direito internacional, Israel tem o dever de garantir o bem-estar da população de Gaza, incluindo seu direito a saúde, a educação, a alimentação e moradia adequada.

                                         FIM DO COMUNICADO

terça-feira, 1 de junho de 2010

EXTRADIÇÃO: CHILE JOGA LIMPO, A ITÁLIA TRAPACEIA


Quinta-feira, Maio 20, 2010

Você compraria um carro usado deste homem?



O nosso maior jurista vivo, Dalmo Dallari, já apontou como "obstáculo intransponível" à extradição do escritor Cesare Battisti o fato de que a promessa italiana de reduzir a pena de prisão perpétua a que ele está condenado para detenção de 30 anos, adequando-a à exigência brasileira, é impossível de ser cumprida:



"...a Constituição brasileira (...) dispõe que 'não haverá pena de caráter perpétuo'. Ora, o tribunal italiano que julgou Battisti condenou-o à pena de prisão perpétua. Essa decisão transitou em julgado, e o governo italiano não tem competência jurídica para alterá-la, para impor uma pena mais branda, como vem sendo sugerido por membros daquele governo. A Constituição da Itália consagra a separação dos Poderes e assim como o presidente da República do Brasil está obrigado a obedecer a Constituição brasileira o mesmo se aplica ao governo da Itália, em relação à Constituição italiana".



Trocando em miúdos, simplesmente não existe dispositivo legal que permita à Itália alterar uma sentença que já se tornou definitiva. Ponto final.



Mas, o relator do caso no Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso, aceitou a promessa vazia italiana. E nem sequer levou em conta o fato de que o próprio ministro da Justiça daquele país, Clemente Mastella, admitiu o logro ao conversar com integrantes da Aiviter, organização que reúne parentes de reais ou supostas vítimas de ações armadas da esquerda nos anos de chumbo.



Encostado na parede por esses inimigos figadais dos ultras, Mastella confessou ter prometido às nossas autoridades que a pena máxima seria de 30 anos "apenas para acalmar os brasileiros, para que deixem de criar problemas e o extraditem de uma vez".



E foi além o boquirroto Mastella:



"O palhaço vai ficar na cadeia a vida toda. Eu falei isso apenas para f... os brasileiros".



Peluso não leu nada disso? Ignora, candidamente, que a Itália tenta tornar o Brasil cúmplice do SEQUESTRO de Cesare Battisti, impondo-nos terrível humilhação? Que cada um tire suas conclusões.



O certo é que, enquanto os italianos tentam nos fazer de tolos, os chilenos agem com correção e transparência.



Pediram a extradição de Mauricio Hernández Norambuena, que está preso no Brasil por haver liderado o sequestro do publicitário Washington Olivetto em 2001.



Foram informados de que só obteriam a extradição caso a pena de Norambuena no Chile não ultrapassasse 30 anos.



Confirmaram nesta 4ª feira (19) sua condenação à prisão perpétua.



Ou seja, o Chile mantém a decisão de sua Justiça, mesmo que isto implique a impossibilidade de Norambuena cumprir a pena.



Mas, claro, a dignidade chilena é simplesmente inalcançável para os Berlusconis da vida.

Celso Lungaretti

NÁUFRAGO DA UTOPIA: http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/search?q=Cesare+Battisti


segunda-feira, 31 de maio de 2010

Conversas acadêmicas: Luís Roberto Barroso (II)

    Postado em 26/05/2010
Segunda parte da entrevista com Luís Roberto Barroso




Os Constitucionalistas: O STF pode se substituir ao legislador?


Luís Roberto Barroso: Eu tive esse debate com o meu saudoso e querido amigo Carlos Alberto Direito, o ministro Menezes Direito, que tinha uma posição doutrinária contrária à minha no caso das pesquisas com células-tronco embrionárias. Eu disse a ele: “É possível criticar severamente a opção do legislador, mas num Estado Democrático de Direito esta escolha era dele”. O ministro Menezes Direito não concordou, proferiu um voto memorável na ADI 3510, do qual discordo jurídica e filosoficamente, o que não me impede de reconhecer a qualidade do trabalho que ele fez e do bom papel que desempenhou no Supremo. Pois bem. Onde há um desacordo moral razoável, se o legislador fez uma escolha, e se esta escolha é uma escolha razoável, isto é, uma escolha que não é manifestamente incompatível com a Constituição, o Judiciário deve respeitá-la. Em um debate que participei na UnB com o juiz da Suprema Corte americana Antonin Scalia, um homem extremamente inteligente, mas também com uma visão extremamente conservadora do Direito e do papel do Judiciário, ele disse que considerava direito somente aquele criado pela Constituição ou pelo legislador. Se não tivesse sido criado pela Constituição ou pelo legislador, não era direito. Com esse argumento, ele considerava válidas as leis estaduais americanas que proibiam e criminalizavam as uniões homoafetivas. Eu discordei. O legislador deve ter a sua vontade respeitada, contudo, onde existe um direito fundamental, esse direito não depende do legislador. A escolha existencial sobre onde colocar seus afetos é um direito fundamental de qualquer pessoa.


OC: Os direitos fundamentais como limite ao legislador…

Barroso: O legislador não pode proibir uma pessoa de exercer sua afetividade da maneira que ela quiser. No caso debatido com o juiz Scalia, a opção do legislador de criminalizar uma relação homoafetiva violava um direito fundamental. Essa opção você não deve respeitar. Mas quando se trata de pesquisa com células-tronco embrionárias, que, no meu entendimento, não envolve direito fundamental, a escolha política feita pelo legislador é que deve prevalecer.


OC: Uma lei aprovada por uma maioria esmagadora no Parlamento é imune ao controle de constitucionalidade?

Barroso: Não. Uma lei pode ser aprovada por 90% do Parlamento e ser inconstitucional. O papel de uma Corte Constitucional, muitas vezes, é um papel contramajoritário. É impedir que as maiorias oprimam as minorias. Se 90% do Parlamento aprovar uma lei que não admite mais a existência do partido comunista, ou do partido evangélico, esta lei é inconstitucional. O papel contramajoritário de uma Corte Constitucional sempre pode ser exercido. Se numa sala houver oito cristãos e dois muçulmanos, os oito cristãos não podem deliberar jogar os dois muçulmanos pela janela. Por quê? Porque a vida democrática não é feita só das maiorias políticas. A vida democrática também é feita da preservação dos direitos fundamentais de todas as pessoas, inclusive das que integram as minorias.


OC: Devemos então ter cuidado com as maiorias legislativas?

Barroso: O exemplo que citei é para demonstrar que às vezes as maiorias podem estar erradas. Embora seja difícil, às vezes é preciso confrontar as maiorias. Hitler chegou ao poder na Alemanha com a maioria. Chávez exerce o seu poder na Venezuela com apoio majoritário. Todavia, eu não me impressiono com o apoio majoritário no nível de mobilização política que existe na Venezuela. O que me impressiona, e aqui a valoração não é política, mas objetiva, é um presidente da República, como é o caso brasileiro, ter 80% de popularidade. Isto é impressionante em qualquer lugar do mundo com imprensa livre. É um fenômeno incomum. Agora, ter maioria como o Getúlio Vargas tinha, manipulando o DIP, não me impressiona. Maioria como o Chávez tem, ameaçando e oprimindo a imprensa, não me impressiona. Eu não citaria o Fidel Castro porque ele é um fenômeno de outra época. É muito difícil você julgar uma pessoa fora da sua época. O grande problema do Fidel é que ele viveu demais, viveu para um mundo que não comporta mais o projeto que ele simbolizava. Um projeto, hoje, historicamente derrotado. Comparar o Fidel com o Chávez é uma injustiça histórica, uma manipulação que não posso concordar. Fidel Castro foi um líder de um tempo e de um mundo que passou. O projeto socialista, como o concebido pela esquerda da década de 1950 e de 60, foi, lamento reconhecer, um projeto que desaguou em autoritarismo e pobreza. Reconheço isso porque negar os fatos da vida não é uma boa forma de você lidar com eles. Na vida a gente tem direito à própria opinião, mas não aos próprios fatos. Há uma boa-fé objetiva que impõe você reconhecer que determinadas coisas aconteceram, mesmo que você preferisse que elas não tivessem acontecido.


OC: Os conservadores estancam a evolução da sociedade?

Barroso: Eu não gosto de formar nenhum juízo que desqualifique quem pense diferentemente de mim. Com isso, não acho que os progressistas sejam bons e os conservadores ruins, pois na vida a gente pode ser progressista para muita coisa e conservador para outras. Devemos ouvir com respeito e seriedade o argumento do outro. Eu não considero reacionário quem, em matéria de interrupção da gestação de fetos anencefálicos, ou de uniões homoafetivas, pensa diferentemente de mim. Eu fui socialista boa parte da minha juventude, mas minhas ideias não prevaleceram. Isso faz parte da vida. Uma lição que se deve aprender cedo na vida é que não se ganha sempre. É preciso saber ser humilde na vitória e altivo na derrota. Portanto, ser conservador ou progressista não é uma posição estática. Devemos respeitar as pessoas e situá-las dentro do seu tempo. A única posição que não deve ser tolerada é a intolerância. Ou seja, alguém que, por acreditar em alguma coisa, não admite que o outro possa ser diferente. A inadmissão do outro é uma conduta gravemente censurável. Todos os pontos de vista que não violem a dignidade da pessoa humana, que não sejam depreciativos em relação ao outro e que não se movam pela violência devem ser respeitados.


OC: Por que a história constitucional americana é importante para o Direito Constitucional brasileiro?

Barroso: Porque é uma história de sucesso. E histórias de sucesso as pessoas prestam atenção. No mundo contemporâneo, merecem destaque a história constitucional americana e a história constitucional alemã do segundo pós-guerra. São dois modelos cujo sucesso teve como um dos atores principais a Corte Constitucional. Daí a afinidade que temos com essas experiências, sobretudo quando assistimos ao crescente protagonismo do Supremo Tribunal Federal. Evidente que a vida de uma instituição não é feita só de acertos ou de momentos bons. Existem decisões da Suprema Corte americana que considero lamentáveis, como Dred Scott v. Sandford ou Bush v. Gore. Ainda assim considero a história constitucional americana uma história de sucesso.


OC: O Supremo Tribunal Federal, no biênio presidido pelo ministro Gilmar Mendes, pode ser comparado à Corte de Warren?

Barroso: Difícil comparar. Nos Estados Unidos, o presidente da Suprema Corte é nomeado pelo presidente da República para um mandato vitalício. Um Chief Justice pode então liderar por dez, quinze, vinte anos a Suprema Corte americana. Isso não acontece no Brasil. O mandato de presidente do STF é de apenas dois anos. Você não consegue assim identificar as decisões do STF com o ministro que o presidia na época, tal como aconteceu na Corte Warren, que antes de se tornar presidente da Suprema Corte americana era um político conservador.


OC: Earl Warren foi um político conservador?

Barroso: Conservador e um cara durão. Earl Warren foi procurador-geral na Califórnia, governador pelo Partido Republicano e quase vice-presidente na chapa do Dwight Eisenhower, que era republicano, anticomunista e também um cara durão. Contudo, quem ganhou a indicação foi o Richard Nixon. Como prêmio de consolação, Earl Warren foi nomeado presidente da Suprema Corte americana.


OC: Prêmio de consolação?

Barroso: Sim. Earl Warren não era um jurista, mas um político. Foi nomeado Chief Justice por um presidente da República conservador de quem quase foi vice-presidente. E o mais interessante: nomeado por causa de suas virtudes conservadoras, Earl Warren se tornou o Chief Justice mais progressista de toda a história da Suprema Corte americana. Eisenhower disse uma vez que cometeu dois erros na vida. Um deles, a nomeação de Warren. Earl Warren liderou uma revolução na Suprema Corte. Ele tomou posse em 1954, permaneceu na Corte até 1969 e produziu uma revolução progressista nos Estados Unidos. A começar pela primeira decisão, quando articulou a votação unânime do caso Brown v. Board of Education. Com essa decisão, a Suprema Corte acabou com a política de segregação racial nas escolas públicas, o que quase provocou uma revolução nos Estados Unidos. Essa decisão nos ensina também duas outras lições: muitas vezes o processo político majoritário é incapaz de proteger os direitos fundamentais e aí você precisa de uma Suprema Corte esclarecida e iluminista. O único problema do poder é que ele costuma agradar. É preciso então que esta vanguarda iluminista e esclarecida indispensável para dar determinados saltos históricos não presuma demais de si mesma, senão o que é virtude passa a ser vício e presumir demais de si mesmo é sempre ruim na vida.


OC: Os acórdãos do STF são o produto da soma dos votos individuais dos ministros, e não da construção argumentativa de pronunciamentos consensuais ou intermediários. É positivo esse modelo de deliberação?

Barroso: É um debate complexo. Hoje, o modelo de deliberação do STF é um modelo agregativo, não deliberativo. O agregativo é pior do que o deliberativo. O problema é que, para ser um modelo deliberativo, os julgamentos deveriam ser fechados, e eu creio que não é possível nem desejável voltar atrás. No Brasil, os tribunais debatem e julgam publicamente. Isso pode parecer natural, mas essa é uma circunstância brasileira. Em quase nenhum país do mundo o debate é publico. Você tem uma audiência, mas a deliberação é a portas fechadas, o que torna mais fácil produzir uma decisão deliberativa construindo consensos, pontes entre as posições. No caso do STF, além de ser público, o julgamento é transmitido ao vivo pela televisão, o que, evidentemente, não facilita as coisas. Eu gosto da deliberação pública e da transmissão pela televisão, mas esse modelo agregativo precisa ser repensado.


OC: Que outras mudanças são necessárias para o Supremo Tribunal Federal se tornar uma Corte verdadeiramente Constitucional?

Barroso: Penso que o Supremo deve julgar apenas mil casos por ano. A jurisdição constitucional, para ter a visibilidade e a qualidade desejáveis, precisa ser exercida às dezenas ou às poucas centenas. Uma Corte Constitucional não existe para julgar milhares de processos. Todas as Cortes Constitucionais do mundo escolhem a sua agenda e têm critérios para a seleção de casos. É fundamental também diminuir o número de competências do Supremo Tribunal Federal. Competências que não são competências constitucionais. E no momento em que você reduz significativamente processos e competências, você precisa de um sistema em que o voto do relator possa ser conhecido antes dos julgamentos. Isso é muito importante porque aprimora o debate e diminui o número de pedidos de vista. Além disso, acho que as sessões plenárias deveriam ser mais objetivas, com votos mais breves. Isso é muito difícil com a quantidade atual de processos. É que ser breve toma muito tempo de preparação. Na frase feliz de Clarice Lispector, “ser simples dá muito trabalho”. Por experiência própria, sei como é difícil, em uma sustentação oral, contar uma história, às vezes cheia de nuances e complexidades, em quinze minutos. Mas é como tem de ser. Acho que os votos não deveriam passar de vinte minutos. Não com um campainha tocando, mas como um critério convencional de autocontenção. Antes de morrer, o Ministro Carlos Alberto Direito, que era um juiz notável, um dos melhores que vi em atuação, e que era meu amigo, me disse: “Você não deve falar isso. Independentemente de ser certo ou errado, as pessoas não gostam de ouvir”. Eu disse a ele, carinhosamente, que considerava ser este o meu papel na vida pública: contribuir para o debate público e para aquilo que considero ser o aprimoramento das instituições. Agora, essa é a minha opinião. E eu respeito a dos outros. Não sou dessas pessoas que trafegam pela vida com uma mochila cheia de certezas e de verdades.


OC: O senhor foi sondado para ser ministro do Supremo?

Barroso: Nunca fui convidado. Se algum dia for convidado, e o meu nome for aprovado pelo Senado, aceitaria com muita honra. Mas nunca fui candidato, nunca tive uma articulação política para esse fim. Nunca foi meu plano A na vida. Eu vivo a vida que escolhi e me sinto feliz e realizado. Nunca senti falta de ter poder, poder formal. Quando me mudei para Brasília, muitos disseram: “Mudou para Brasília para ir para o Supremo”. Se fosse para isso, eu deveria ter ido para São Paulo. É de lá que sai a maioria dos Ministros. Há muitos anos eu já passava um ou dois dias por semana em Brasília, por advogar junto ao STF ou ao STJ. Minha mulher e eu decidimos mudar por uma razão simples: achamos que Brasília seria um lugar melhor para criar os nossos filhos, que estavam entrando na adolescência. Jamais nos arrependemos. Gostamos da cidade e das pessoas aqui. Para ir ou deixar de ir para o Supremo eu não precisava me mudar para Brasília.


OC: Quem o senhor indicaria para o Supremo?.

Barroso: Tenho dificuldade de dizer um só nome. Há muita gente boa Alguns que poderiam ocupar o cargo de ministro do Supremo, para ficar só na minha geração, são Clèmerson Merlin Clève, Luiz Edson Fachin, Luiz Fux. Mas a lista seria longa.


OC: Os professores Paulo Bonavides e Paulo Lobo Saraiva defenderam a necessidade de elaboração de um Código de Processo Constitucional. O senhor concorda com essa ideia?

Barroso: Em princípio, e por princípio, eu sempre concordo com o professor Paulo Bonavides. Mas eu precisaria estudar o tema e uma eventual proposta. Uma ideia que eu defendo, e considero importante, é a elevação da importância da jurisprudência e dos precedentes no direito brasileiro. Acho que em uma sociedade de massas e de elevado grau de litigiosidade, é preciso dar maior dignidade à jurisprudência e criar uma cultura geral de respeito, de vinculação aos precedentes estabilizados. Considero isso um imperativo da segurança jurídica, da isonomia e da eficiência do Poder Judiciário. E acho importante que os próprios Tribunais, inclusive o STF e o STJ, tratem com cuidado e com carinho a sua própria jurisprudência. Se a jurisprudência vai ser vinculante de uma maneira geral, ela tem que ser estável.


OC: Hoje isso não acontece?

Barroso: Há um caso no Supremo em que havia uma decisão do plenário por 9 a 1, mais de 50 decisões monocráticas e decisão de uma das turmas em determinado sentido. Um dia o plenário mudou e disse que a jurisprudência não estava consolidada. Em qualquer país do mundo, uma decisão com 9 a 1 do plenário da Corte Constitucional fixa a jurisprudência. Ponto!


OC: O Brasil ainda tem de amadurecer em muitos sentidos, não?

Barroso: O Brasil começou a ingressar no mundo moderno em 1808, com a vinda da família real. Antes disso, os portos eram fechados, não havia escolas, nem estradas, nem moeda e 97% da população era de analfabetos. Nós começamos tarde. O Brasil é um país muito jovem do ponto de vista do processo civilizatório. Mas nesses 200 anos desde a vinda da família real percorremos um caminho extenso. A história brasileira é uma história de sucesso. Árduo, sofrido, difícil, mas de sucesso. E, nos últimos 21 anos,sob a Constituição de 1988, percorremos e superamos diversos ciclos do atraso institucional. Hoje temos uma democracia estável, com alternância no poder e absorção institucional dos conflitos políticos. Isso em um país cuja história sempre fora marcada por golpes e quebras da legalidade constitucional. Só quem não soube a sombra não reconhece a luz.


OC: Sempre que alguém quer mostrar que somos atrasados, cita os Estados Unidos. Na área jurídica não é diferente.

Barroso: A comparação com os Estados Unidos nos é extremamente injusta por duas grandes razões. A primeira, porque nós começamos muito depois, mais de um século e meio depois. A colonização americana, feita por pessoas que foram para lá com suas famílias para se estabelecerem, remonta a meados do século XVII. A civilização brasileira só começa de verdade no início do século XIX, com a vinda da família real, como observei antes. A segunda razão é que os Estados Unidos foram herdeiros da tradição inglesa, uma tradição milenar, que construiu a ideia de poder limitado e de rule of law ao longo dos séculos, começando com a Magna Charta, de 1215 e culminando com a primeira grande revolução liberal, em 1688. Nós somos herdeiros, com todo o carinho que nós temos por Portugal, de uma tradição autoritária de um país que se atrasou na história. Portugal foi a última nação da Europa a acabar com a Inquisição, o tráfico de escravos e o absolutismo. Portanto, nós começamos atrasados e percorremos um longo caminho. Mas o amadurecimento toma tempo. Considero que 21 anos é um tempo curto para uma democracia e nós percorremos um longo caminho neste período. Temos nos saído bem. Eu tenho pouco mais de 30 anos de vida adulta. Nesse período, o Brasil só melhorou. Não melhorou na velocidade ou na intensidade que eu gostaria, mas só melhorou.


OC: Se o presidente da República não extraditar Cesare Battisti, temos um risco de haver uma crise entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário?

Barroso: Não vejo essa possibilidade. Só se for uma crise artificial. E essa fase, nós já superamos. Eu fui, como sabem, o advogado na fase final do processo: fiz os memoriais e a sustentação perante o STF. Portanto, não gostaria de me apresentar como um comentador imparcial da questão, o que não seria verdadeiro. Mas eu considero o Direito, como prática profissional, um exercício de racionalidade. Ou seja, eu não me apaixono pelas causas. Eu me empenho, faço o melhor que posso. Vale para qualquer causa. O nepotismo e as pesquisas com células-tronco foram causa bonitas. A anencefalia é uma boa causa. Gosto de participar, mas eu não me apaixono. Ressalto isso porque sou capaz de olhar com serenidade para essas discussões. E, com o respeito devido e merecido, o Supremo errou no caso Battisti.


OC: Errou tecnicamente?

Barroso: Errou do ponto de vista político e errou do ponto de vista técnico. Errou do ponto de vista político ao sobrepor a sua valoração política à do ministro da Justiça. Eu trabalho perante o Supremo, os ministros são pessoas que eu quero bem. Por isso, faço essas observações com muito respeito. Mas a decisão não foi boa. Foi um exercício de poder, mais do que um exercício de interpretação jurídica.


OC: E do ponto de vista técnico?

Barroso: Dizer que a decisão de concessão de refúgio político é um ato vinculado não está correto. Com todo o respeito que merecem os 5 votos altamente qualificados que sustentaram diferentemente, o conceito de perseguição política não pode ser visto com algo vinculado, porque é impossível. Sempre haverá uma valoração subjetiva. Para sustentar juridicamente a posição de anular o ato de refúgio, a tese razoável, com a qual eu não estou de acordo, seria dizer: “Ainda quando seja o ato discricionário, o pressuposto de fato do ato tem que existir, porque se o pressuposto de fato não existir aí o ato é inválido”. Por esta razão, e não por dizer que é vinculado. Mas o pressuposto de fato, perseguição política, é uma valoração política.


OC: Battisti é inocente?

Barroso: A Itália, embora tenha preservado a sua democracia e mereça admiração por isso, fazia julgamentos coletivos, sob pressão política muito intensa, em um clima em que a delação premiada libertava os que colaboravam e desgraçava os que eram revés. A legislação permitia que as pessoas ficassem presas preventivamente, sem culpa formada, por mais de três anos. Um regime de exceção. Cesare Battisti foi acusado por todos os que se beneficiaram por imputar a ele todas as culpas. Rememoro brevemente o caso. Ele participou de um grupo de extrema-esquerada entre 1976 e 1979. O grupo pregava a derrubada do regime político italiano, opunha-se à aliança entre os comunistas e a democracia-cristã e foi acusado de operações das quais resultaram quatro mortes: dois policiais e dois militantes de extrema-direita. Desbaratado o grupo em 1979 e presos os seus membros, foram levados a julgamento. Battisti não foi sequer acusado de qualquer das mortes. Outras quatro pessoas foram condenadas por homicídio. Ele foi condenado a 12 anos de prisão, por participar de organização subversiva e cumpria pena em presídio para condenados não perigosos.


OC: O que aconteceu depois?

Em 1981, um dos principais líderes do grupo – Pietro Mutti –, que não havia sido preso ainda, ajudou-o a fugir da prisão. Battisti, então, refuigou-se no Mexico e, depois, na França, onde o Presidente François Miterrand dava abrigo aos militantes de esquerda que houvessem abandonado a luta armada. Depois de ele estar fora e em segurança, Pietro Mutti é preso e acusado de participação nos homicídios. Ele se torna arrependido e delator premiado e transfere a culpa dos quatro homicídios a Battisti. Os quatro militantes que já haviam sido condenados confirmam essa acusação. Diante disso, reabre-se o processo contra Battisti, ele é julgado e condenado à revelia, e pega prisão perpétua. Todos os outros acusados estão soltos, já que transferiram a culpa para ele. A história é péssima. Cesare Battisti é o bode expiatório dos anos de chumbo italianos. Mas eu quero aqui enfatizar que eu compreendo e respeito as pessoas que têm uma posição diversa. Que dizem: “Foi julgado na Itália e condenado, e não há razão para eu rever isso aqui no Brasil”. Não concordo, mas respeito. Quem trabalha com o Direito tem que aceitar a relatividade da vida e aceitar que as pessoas possam pensar de maneira diferente.


OC: Nem por este caso o senhor se apaixonou?

Barroso: Não. Eu estudei o caso previamente, antes de aceitá-lo e convenci-me da justiça da causa. Não trabalhei por ideologia ou por honorários, e sim, porque achei que era um caso justo. E continuo a achar. Mas houve uma diferença nesse caso. Eu normalmente discuto teses jurídicas, que lidam com questões morais, políticas ou econômicas. Nunca havia tido um caso em que da minha atuação dependesse a vida e a liberdade de uma pessoa física. Um escritor, um pai de família. Então, do ponto de vista pessoal, esse caso me trouxe um tipo de envolvimento que eu nunca havia vivenciado. Foi uma experiência de vida. Mas, com toda franqueza, eu não pretendo repeti-la.



Fonte: Blogger; Os Constitucionalistas: http://www.osconstitucionalistas.com.br/conversas-academicas-luis-roberto-barroso-ii